Amplificador Classe D | Como funciona?

Você já parou para pensar como você consome áudio hoje? Não só música, mas também mensagens de áudio rápidas no WhatsApp, Podcasts e videoconferências. Provavelmente, você consome tudo isso em dispositivos portáteis, como celulares, notebooks e fones de ouvido Bluetooth. No mundo moderno, a vida se tornou digital e precisamos de aparelhos eletrônicos que sejam portáteis, leves e, de preferência, tenham bateria para o dia inteiro. Não faria sentido toda essa tecnologia para carregarmos o mundo junto conosco se o amplificador de som desses aparelhos gastasse muita energia para funcionar, não é mesmo?

Então deixa eu te contar uma coisa, todo som que você consome nesses aparelhos é produzido por um amplificador Classe D. Os amplificadores Classe D são amplificadores de áudio chaveados, também conhecidos como amplificadores digitais (apesar desse nome não ser muito correto!). Nesses amplificadores, a amplificação do sinal de áudio ocorre de forma extremamente eficiente, ou seja, sem desperdiçar muita energia. Assim, esses amplificadores conseguem ser pequenos, leves, baratos e ainda assim entregar uma qualidade de som muito alta, ideais para equipamentos portáteis, computadores, som automotivo e muito mais.

Amplificador Classe D – 200W

A tecnologia por trás dos amplificadores classe D é extremamente fascinante e hoje temos muitos amplificadores com altíssima qualidade no mercado. Porém, ainda existe muita desinformação e preconceito com esse tipo de amplificador dentre os profissionais mais antigos. Por isso, neste artigo, vamos desmistificar esse amplificador, entender como ele funciona, como ele é construído, seus pontos fortes e seus pontos fracos. Vamos lá?

Amplificadores Lineares vs. Amplificadores Classe D

Durante muitos anos, os amplificadores de áudio foram construídos a partir de circuitos chamados lineares, ou seja, onde os transistores desses amplificadores estão nas suas regiões ativas de operação. As diversas formas de construir esses amplificadores, chamadas de classes de amplificação (A, AB, G, H, etc), tentam dosar fidelidade, ou seja, qualidade do som de saída, e eficiência energética, sendo que o aumento de uma, piora a outra. Dentre essas classes, a mais comum é o amplificador Classe AB, que tem ótima fidelidade, mas ainda assim, uma eficiência na ordem de 50% apenas, ou seja, para entregar 50W a um alto-falante, ele joga fora outros 50W em calor! Acho que não precisa dizer muito pra entender que esses amplificadores não fazem muito sucesso em aparelhos portáteis, onde queremos que bateria dure o máximo possível, não é?

Por que o amplificador Classe AB é ineficiente?

O problema da baixa eficiência dos amplificadores lineares tem origem na forma como eles operam. Para entender isso, vamos dar uma olhada na Figura 1, onde ilustramos o estágio de saída de um amplificador classe AB e suas formas de onda.

Fig. 1 – Amplificador Classe AB – Circuito de potência e suas formas de onda

Usamos uma fonte c.c. simétrica para alimentar o estágio de potência do amplificador classe AB, além disso, cada transistor conduz meio ciclo da corrente no alto-falante. Normalmente, o sinal de áudio na saída do amplificador tem uma amplitude bem menor do que a da fonte de alimentação c.c.. Assim, em qualquer instante de tempo, sempre vai ter tensão e corrente em algum dos transistores e consequentemente, vai existir alguma potência sendo dissipada. Infelizmente, essa potência dissipada varia de 30% a 50% do consumo do amplificador!

Um amplificador Classe D é muito mais eficiente

Os amplificadores classe D, também chamados de amplificadores chaveados, são uma alternativa aos amplificadores lineares. Ao invés de trabalhar com os transistores em uma região ativa, onde ele vai dissipar muita potência, os Classe D usam os transistores nas regiões de corte e saturação (ou triodo, no caso dos MOSFETs), onde eles operam como chaves eletrônicas e dissipam muita pouca potência. Para entender isso melhor, vamos olhar a Figura 2.

Fig. 2 – Transistor MOSFET como chave – Comportamento e formas de onda de operação

Notamos que quando o transistor MOSFET opera como chave fechada, ele funciona basicamente como uma resistência e dissipa uma pequena potência. Por outro lado, quando ele funciona como chave aberta, ele não conduz corrente nenhuma e, por isso, não dissipa potência. Além disso, toda vez que o transistor comuta de chave fechada para aberta, e vice-versa, ele perde uma pequena potência na transição. O grande ganho dos amplificadores classe D sobre os lineares está exatamente aí. Enquanto as perdas nos amplificadores classe AB chegam a 50% do consumo do circuito, nos amplificadores classe D, essas perdas representam algo na ordem de 10% do consumo, ou seja, uma eficiência tão alta quanto 90%, podendo até ser maior em alguns projetos!

Agora, uma questão importante: Como que os amplificadores chaveados conseguem amplificador um sinal de áudio, se eles só podem trabalhar com chaves abertas e fechadas? Vamos tentar entender isso nas próximas seções.

A estrutura básica de um amplificador chaveado

Ao contrário dos amplificadores lineares, que são baseados na tecnologia da eletrônica analógica, os amplificadores chaveados são circuitos de eletrônica de potência. Bom, imagino que essa afirmação pode confundir muita gente, pois, afinal, eletrônica é eletrônica, não é mesmo? Mas a forma como cada área trabalha seus circuitos é bem diferente. No caso da eletrônica de potência, usamos os semicondutores como chaves eletrônicas, buscando melhorar a eficiência e reduzir volume e peso dos nossos circuitos. Para isso, precisamos usar diversas áreas da engenharia para as coisas funcionarem, como teoria de modulação de sinais, eletromagnetismo, controle de sistemas, etc.

No caso do amplificador classe D, o circuito básico é um inversor, ou seja, um circuito capaz de converter uma tensão contínua em uma tensão alternada. Existem diversas formas de se construir um inversor, mas para entender os princípios (sem complicar demais), vamos usar o inversor meia-ponte, ilustrado na Fig. 3.

Fig. 3 – Estrutura básica de um Amplificador Classe D

Componentes de um amplificador chaveado

Como podemos ver, a estrutura básica de um amplificador classe D apresenta três blocos:

  • O circuito de modulação – A modulação permite transformar a informação do áudio em um sinal digital capaz de acionar os transistores. A tecnologia mais usada é a modulação por largura de pulsos, ou PWM.
  • O circuito de condicionamento – Esse circuito pega o sinal digital na saída do modulador e o trata para deixá-lo no nível de tensão necessário para acionar o MOSFET e evitar problemas nesse acionamento. No entanto, como são muitas funções que ele deve realizar, é comum usar um CI Gate Driver para fazer o acionamento. Se quiser saber mais sobre Gate Drivers, clique aqui.
  • O inversor – O inversor é o circuito de potência que vai receber o comando PWM e amplificá-lo. As perdas nos transistores, como já vimos é bem baixa, mas a sua tensão de saída (VPWM) é basicamente uma onda quadrada. Para reconstruir o sinal de áudio, usa-se um filtro passivo LC, que elimina o ruído de alta frequência e deixa apenas o sinal de áudio.

No final do dia, o circuito de um amplificador classe D pega o sinal de áudio, traduz este sinal em um sinal quadrado com largura variável e depois amplifica o sinal por meio do inversor, uma vez que os pulsos na sua saída vão ter amplitude entre +VDC e -VDC. Ao fim, um filtro passa-baixas LC retira o ruído de alta frequência do sinal PWM e reconstrói o sinal de áudio novamente.

No final das contas – Amplificador Classe D é bom ou ruim?

Se você chegou até aqui, deve ter entendido que os amplificadores classe D conseguem entregar uma alta eficiência, pois trabalhando com os transistores como chaves, há poucas perdas. Além disso, a conversão PWM, apesar de usar sinais quadrados, permite reconstruir o sinal de áudio com o uso de um filtro passa-baixas. Contudo, uma dúvida pode surgir: os amplificadores classe D são bons?

A resposta para esta pergunta é: depende! Assim como qualquer equipamento, a qualidade depende muito do tipo de projeto feito e do projetista por trás. De qualquer modo, como o nosso objetivo é entender o amplificador, sem nos prender a subjetividades (como bons técnicos e engenheiros), vamos tentar entender os prós e contras desta classe de amplificador e depois vamos avaliar o desempenho de circuitos comerciais.

Vantagens de um amplificador classe D

Vamos começar essa discussão pela parte boa. A primeira vantagem do amplificador classe D é obviamente a sua alta eficiência, acima de 90% na maioria dos casos. Isto, porém, trás uma série de outras vantagens para o circuito, uma vez que a baixa perda permite a redução do dissipador (ou até a sua eliminação), além disso, ao trabalhar em alta frequência de comutação, o tamanho do filtro LC é bem reduzido. Com isso, temos também um equipamento de menor peso, menor volume e mais barato que os amplificadores classe AB. Em função dessas vantagens, os amplificadores Classe D são os preferidos no uso em dispositivos portáteis, como celulares, notebooks, smart watches, fones de ouvido, etc; computadores, televisores, entre outros.

Do ponto de vista da sua funcionalidade, o uso da modulação PWM com uma frequência de comutação (liga/desliga) muito alta (~400 kHz), permite que o ruído de alta frequência seja bem filtrado, o que possibilita a reconstrução do sinal de áudio com baixíssima distorção.

Desvantagens de um amplificador classe D

Apesar das vantagens listadas acima, nem tudo são flores. Existem diversos fatores em um amplificador classe D que fazem com que o seu desempenho seja deteriorado. A maioria desses fatores, contudo, se relacionam com imperfeições dos elementos que compõem o amplificador. Vamos listar os principais:

  • Distorção do sinal – Talvez essa seja a principal desvantagem de um amplificador classe D. Em teoria a reconstrução do sinal de áudio, a partir da filtragem do sinal PWM é perfeita. Entretanto, imperfeições no processo de modulação acabam gerando bastante distorção. Alguns dos principais elementos causadores desse problema são: a) imperfeição no gerador da portadora triangular; b) tempo morto no acionamento dos MOSFETs; c) Os MOSFETs não são chaves perfeitas; d) imperfeição no indutor do filtro;
  • Baixa rejeição a ruído de fonte – Os amplificadores classe D não possuem rejeição à ruído de fonte, isto é, qualquer oscilação na tensão VDC vai produzir distorção na saída do amplificador;
  • Interferência eletromagnética – A comutação dos MOSFETs, seguindo o padrão do sinal PWM, provoca muito ruído eletromagnético no inversor e nas trilhas da PCB do circuito. Portanto, caso não seja tratado corretamente, esse ruído pode interferir em outros equipamentos.

Sendo justo na comparação – Temos que trabalhar realimentados

À primeira vista, tendo como base as vantagens e desvantagens listadas acima, você pode estar com ideia que os amplificadores classe D são circuitos muito eficientes mas de baixíssima qualidade sonora. No entanto, antes de chegar a alguma conclusão, é importante entender que até o momento a comparação com os amplificadores classe AB foi bem injusta. Por quê? Todo amplificador linear opera em realimentação e é exatamente o fator de realimentação que faz com que o desempenho desses amplificadores seja tão bom. Contudo, até o momento, olhamos o amplificador classe D apenas em malha aberta, logo, para uma boa comparação, temos que avaliar também esse circuito com realimentação!

Entretanto, essa discussão pode ficar bastante complicada, quando incluímos a realimentação na jogada. E o por quê disso está no fato de o ganho em malha aberta do amplificador classe D é muito baixo em comparação ao ganho de um amplificador classe AB. Isto se torna importante, pois o fator de realimentação depende diretamente do ganho de malha aberta do amplificador, logo, se o circuito tiver um ganho baixo, o sistema de controle deve ser bem mais complexo para entregar um fator de realimentação adequado. Assim, o controle em malha fechada de amplificadores classe D tem sido temas de diversos doutorados e artigos nas últimas décadas. Um bom exemplo é a tese do Dr. Karsten Nielsen, que criou a empresa ICEPower, que pode ser acessada aqui.

Comparando circuitos reais

Não vamos ficar discutindo tipos de controladores e realimentação de amplificadores neste artigo, ao passo que isso complicaria demais nossa discussão. Assim, para responder se o amplificador classe D é ou não bom, vamos olhar para circuitos reais. Primeiramente, vamos usar como base um amplificador classe AB hi-end (de muita boa qualidade) como o NAIM NAP500, mostrado na Fig. 4. Esse amplificador possui algumas características muito interessantes, por exemplo:

  • Potência nominal: 140W @ 8 ohms e 230W @ 4 ohms;
  • Impedância de saída: 0.23 ohms para toda faixa audível;
  • Distorção: Entre 0.002% e 0.01% na faixa audível em operação típica a 8 ohms;
  • Relação Sinal Ruído – 144 dB;
Fig. 4 – Amplificador NAIM NAP500 – Amplificador Classe AB Hi-end

Portanto, tendo um amplificador classe AB como base, vamos fazer uma comparação com circuitos classe D que encontramos no mercado. Desse modo, vamos usar três circuitos distintos:

  • Uma placa de uso geral baseada no CI TPA3255 da Texas Instruments. Esse tipo de circuito é bastante popular e, por isso, pode ser encontrado com facilidade na Amazon por um preço bem atrativo. Apesar do tamanho reduzido, é um amplificador que entrega até 300W;
  • Amplificador classe D de uso geral ICEPOWER500A. Esse amplificador classe D produzido pela ICEPower, apesar de ser para uso geral é um amplificador de 500W de altíssima qualidade;
  • Amplificador classe D 1ET400A. Antes de mais nada, esse amplificador da linha EigenTakt, da Purifi-Audio, tem uma estrutura um pouco diferente da explicada na Fig. 3. Enquanto os demais amplificadores se baseiam em uma modulação PWM convencional, o EigenTakt trabalha com um circuito auto-oscilante, sem a necessidade de gerar um sinal triangular e assim, eliminando uma possível fonte de distorção.

A Tabela a seguir mostra os principais parâmetros de desempenho desses amplificadores:

AmplificadorPotência nominal @ 8 ohmsTHD em operação típicaImpedância de saídaSNR
TPA325577W0.01%101dB
ICEPOWER500A220W0.004% a 0.005%< 25 m Ohms
1ET400A100W0.0003%< 0.6 m Ohms

Conclusão

Tendo como base a tabela de comparação apresentada, podemos perceber, portanto, que projetos mais simples, como o TPA3255 realmente possui distorção bem maior do que um classe AB de boa qualidade. Contudo, verificamos que mesmo assim, não é um amplificador tão ruim assim, com baixa distorção e boa relação sinal-ruído. Por outro lado, os amplificadores profissionais, feitos pela ICEPower e Purifi apresentam desempenho bem compatível com os amplificadores Hi-end. Assim, os amplificadores classe D se mostram como alternativas interessantes para o uso em sistemas de áudio atuais e com certeza, com o desenvolvimento tecnológico, vamos ver essa tecnologia tomando cada vez mais mercado e conquistando cada vez mais adeptos.

Quer saber mais sobre amplificadores classe D? Assista a aula do prof. Thiago de Oliveira da UFMG, do Canal Eletrônica Geral, onde ele explica os princípios da tecnologia.


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