Circuitos de Proteção contra Inversão de Polaridade

   Que os equipamentos eletrônicos precisam de tensões em corrente contínua para funcionar, não é novidade para ninguém. O problema é que essa forma de tensão (contínua) possui uma polaridade e caso o usuário do equipamento inverta a conexão entre o equipamento e a fonte, isso irá gerar uma catástrofe. Existem diversas formas de se fazer a proteção contra inversão de polaridade. Uma possibilidade seria utilizar conectores que só possuam uma forma de ligação, mas como em muitos casos o risco dessa inversão existe, isto significa que devemos empregar circuitos de proteção contra inversão de polaridade nos nossos projetos.

   Neste artigo iremos discutir três circuitos eletrônicos bem simples que são capazes de realizar essa proteção contra inversão de polaridade e iremos avaliar os prós e contra de cada um

Sumário


Solução 1 - Diodo de proteção contra inversão de polaridade

Circuito de Proteção com Diodo Retificador

Figura 1 - Circuito de Proteção com Diodo Retificador

  O uso de um diodo retificador para proteção contra inversão de polaridade é a solução mais simples para evitar que conexão errada da fonte estrague um aparelho eletrônico. O diodo é conectado entre o terminal de conexão com a fonte c.c. e o equipamento eletrônico que se deseja proteger, como a Figura 1 ilustra.

   Neste exemplo, se conectarmos a fonte de forma correta, o diodo irá conduzir e o equipamento será alimentado normalmente. Agora, invertendo a ligação da fonte, o diodo estará em polarização reversa e, consequentemente, bloqueado. Assim, o diodo vai impedir a passagem de corrente entre a fonte de alimentação e o equipamento, logo, protegendo-o.

   A seleção do diodo deve levar em consideração alguns cuidados, como: 

  • A tensão de bloqueio do diodo deve ser sempre maior do que a tensão máxima de saída da fonte de alimentação. Uma regra de bolso é adotar uma tensão de bloqueio igual ou superior ao dobro da máxima tensão de alimentação
  • O diodo deve ser capaz de conduzir toda corrente consumida pelo equipamento;

   Entretanto, nem tudo são flores. Apesar de simples, esta solução possui alguns problemas, que discutiremos a seguir.

Queda de tensão no diodo

Todo diodo, quando conduz, apresenta uma queda de tensão entre os seus terminais. Chamamos essa tensão de tensão de condução direta e normalmente a referenciamos como sendo 0,7 V (apesar de que o valor real depende do dispositivo e da condição de operação). Muita gente pode se perguntar, por que essa queda de tensão é um problema, ela é tão baixinha? 

   Bom, sim, em muitos casos ela é bem insignificante mesmo. Por outro lado, imagine um circuito em que a fonte de alimentação tem um pequeno valor, como 5V, 3,3V ou até 1,5V, como é o caso de muitos circuitos digitais e embarcados. Vocês concordam que nesses exemplos essa queda de tensão é importante? 

   Além disso, mesmo em circuitos com tensões maiores, como 12V, 15V, etc, o que vai determinar se 0,7V é ou não relevante é a tolerância do equipamento eletrônico, ou seja, se o equipamento é alimentado em 15V, mas você tem que garantir que esta tensão não caia abaixo de 14V (por exemplo), esses 0,7V podem fazer muita diferença, não é?

Perdas no diodo

Outro problema importante nesta solução está nas perdas energéticas do diodo, ou seja, na sua potência dissipada. Para entender isso, vamos usar um exemplo mais realista:  

   Imagine que um equipamento é alimentado com 15V e consuma 2,5A:

  • Neste caso, devemos encontrar um diodo que suporte ao menos 30V (o dobro da alimentação) e que conduza mais do que 2,5A;
  • Um diodo de prateleira bem simples para este caso seria o diodo 1N5400 que tem uma tensão de bloqueio de 50V e uma corrente direta de 3A. Como assumimos que a fonte de alimentação apenas entrega correntes contínuas, o diodo não precisa de ser rápido, logo um diodo retificador lento como o 1N5400 nos atende muito bem;
   Pelo datasheet do diodo, encontramos a curva I-V, que nos permite calcular a potência de condução dissipada por este diodo e sua tensão de condução direta:
Curva I-V do 1n5400

Figura 2 - Curva IxV do diodo 1N5400

Uma observação importante é que seria mais indicado tomar essa curva em uma temperatura maior, mas como o datasheet não nos fornece essa informação, utilizamos o que temos. Olhem que para uma corrente de 2,5A, o diodo fornecerá uma tensão direta de aproximadamente 0,85V. Com isso, a potência dissipada pelo diodo seria de Pd = IxV = 2,125W. Agora, a fonte de alimentação entrega uma potência ao circuito de Ps = 15Vx2,5A = 37,5W, o que significa que a perda no diodo representa 5,7% da potência entregue ao circuito, que é uma perda BEM significativa.

De uma forma geral, este circuito de proteção apresenta os seguintes prós e contras:

Prós

  • Simplicidade;
  • Fácil projeto e implementação;

Contras

  • Queda de tensão importante para circuitos sensíveis e/ou de baixa tensão de alimentação;
  • Perdas energéticas significativas;


Solução 2 - Diodo Schottky como proteção de inversão de polaridade

De uma forma geral, podemos definir que:

  • Queda de tensão - ocorre quando uma carga elétrica (ou uma corrente) entra no terminal positivo (maior potencial elétrico) e sai do terminal negativo (menor potencial elétrico) de um elemento;
  • Elevação de tensão - ocorre quando uma carga elétrica entra no terminal negativo de um elemento e sai do terminal positivo;
  • Considerando uma carga positiva, a energia gasta por ela ao atravessar um elemento de circuito pode ser calculada como o valor da queda de tensão x o valor da carga (W = V*C);
  • Considerando uma carga 
Circuito de Proteção com Diodo Schottky

Figura 3 - Circuito de Proteção com Diodo Schottky

Esta segunda solução é bem semelhante à primeira, mas emprega um diodo Schottky no lugar do diodo retificador. O diodo Schottky possui uma queda de tensão significativamente menor do que um retificador comum, contribuindo tanto para a redução do impacto gerado pela queda de tensão do diodo na alimentação do circuito, quanto para melhorar a eficiência energética da solução.

   Algumas observações sobre o Diodo Schottky:

  • A queda de tensão é bem reduzida em relação aos diodos retificadores. Costumamos definir essa queda em 0,5V, mas obviamente, isso depende do dispositivo;
  • Todavia, os diodos schottky normalmente possuem baixa tensão de bloqueio. Para circuitos com baixa tensão de alimentação, isso não é um problema, por outro lado, caso o circuito a ser protegido exija uma tensão de alimentação superior a 100V (ou um pouco acima), será difícil encontrar um diodo no mercado;
  • Os diodos schottky possuem correntes de fuga (correntes reversas) maiores que os diodos retificadores, logo, temos que nos atentar a essa informação.

   Retomando o nosso exemplo anterior de um equipamento alimentado em 15V e que consome 2,5A. Analogamente, as especificações de tensão de bloqueio e corrente direta para o diodo schottky serão idênticas às discutidas anteriormente para o diodo retificador. Poderíamos selecionar um Schottky SK34 ou um SK35 para fazer o circuito de proteção, no entanto, eu vou escolher o SK35, para ter melhor compatibilidade com o exemplo anterior.

   O Schottky SK35 possui uma tensão de bloqueio de 50V e uma corrente direta de 3A, assim como do diodo do exemplo anterior. A Figura a seguir mostra a relação I-V do diodo, extraída do seu datasheet.

Curva I-V do diodo SK35

Figura 4 - Curva I-V do diodo SK35

Note que o diodo produz uma queda de tensão de 0,55V na mesma temperatura avalidada para o diodo 1N5400 do exemplo anterior (se a temperatura aumentar, a queda irá diminuir, podendo a chegar em 0,45V em 125oC). Essa queda é mais interessante do que a obtida com o diodo retificador, mas também poderia ser problemática, caso o equipamento fosse alimentado com uma tensão muito baixa (3,3V ou 1,5V).

  Em relação à perda no diodo, note que agora Pd = 2,5Ax0,55V = 1,375W, que é melhor do que o caso anterior, mas ainda provoca uma perda de 3,7% da potência fornecida pela fonte, o que não é o ideal. Obviamente, poderíamos buscar um diodo com uma queda ainda menor, mas outro problema ainda ser relevante.

Corrente reversa do diodo Schottky

Enquanto a corrente reversa de um diodo retificador é praticamente desprezível (ex: no 1N5400 para uma tensão de 15V e 150oC, essa corrente seria de 10uA), num diodo Schottky, ela pode ser relevante. O datasheet do diodo SK35 nos indica que para uma tensão reversa de 15V, a corrente reversa do diodo será de 3uA@25oC, 100uA@75oC e 1,5mA@125oC. Observe que a corrente pode chegar a patamares bem "altos". Usando o último número (para uma análise de pior caso), caso o circuito seja ligado reversamente, o o circuito ainda assim consumiria 22,5mW, contra 150uW do diodo 1N5400.

Observamos que o diodo schottky possui os mesmos Prós que a solução com diodo retificador, mas melhora um pouco tanto o problema de queda de tensão, quanto o de perdas, mas introduz uma desvantagem que são maiores perdas durante o bloqueio de uma tensão reversa.


Solução 3 - MOSFET PMOS como proteção de inversão de polaridade

Circuito de Proteção com PMOS

Figura 5 - Circuito de Proteção com PMOS

O circuito mostra uma solução bem mais adequada para realizar a tarefa de proteção contra inversão de polaridade. Nele, um transistor PMOS é utilizado como dispositivo de bloqueio. O circuito limitador Zener (resistor mais Zener) mostrado na figura serve para limitar a tensão Vsg do PMOS a um valor máximo definido pelo fabricante (usualmente em 15V). Para circuitos cuja tensão de alimentação seja inferior a 15V, esse limitador é desnecessário e o Gate do PMOS poderia ser ligado diretamente no terminal negativo do circuito.

   O circuito funciona da seguinte maneira:

  • Caso a fonte seja ligada corretamente, o diodo parasita do PMOS irá conduzir fazendo com que a tensão de Source seja algo em torno de VCC-0,7V
  • Como o Gate do PMOS estará ligado ou ao terminal negativo (0V) ou ao limitador zener (que será energizado pela tensão de Source), que possui uma tensão inferior ao Source, o PMOS irá ser ligado;
  • A ideia é conduzir o MOSFET na sua região de ôhmica (se possível), onde ele se comportará como um resistor de baixo valor, gerando baixa queda de tensão e baixa perda.

  Retomando o exemplo que temos utilizado ao longo do artigo, como a tensão de alimentação é de 15V, não há a necessidade de se utilizar o limitador Zener, com isso, o circuito pode ser simplificado, para o circuito da Figura 6.

Circuito Proteção com PMOS simples

Figura 6 - Circuito de proteção com PMOS simplificado

Um transistor que pode ser empregado neste circuito (com alguma compatibilidade com os exemplos anteriores) seria o transistor Si2343DS , cujo datasheet pode ser acessado aqui. Este dispositivo possui uma tensão de bloqueio de 30V e uma corrente de condução que pode chegar a 3.2A@70oC. A tensão Vgs deve ser de no máximo -20V. 

   Ao utilizarmos esse PMOS no circuito da Figura 6, tendo uma alimentação de 15V, o transistor irá operar em região ôhmica com uma resistência RDSon (de contato entre dreno e source) de 53m Ohms. Note então que a queda de tensão no PMOS será de VDS = 53mx2,5A = 0,1325 V, bem menor do que ambas soluções com diodos. E que a potência dissipada será de Pd = 53mx(2,5)2 = 0,33W, também bem menor que os outros casos, representando apenas 0,9% da potência entregue pela fonte


OBS: Caso a alimentação do circuito seja muito inferior a 15V (5V por exemplo), para manter o cenário de baixa queda de tensão e baixas perdas, deve-se selecionar MOSFETs de nível lógico, que entram na região ôhmica com Vgs em torno de -5V. Caso contrário, ao se usar PMOS de VGS +/- 20V, o transistor ou não vencerá a tensão limiar de condução, operando em corte em não conectando a fonte no equipamento, ou operará na região de saturação, onde as quedas de tensão e perdas são bem mais elevadas.

Como prós e contras do uso do PMOS, podemos citar:

Prós

  • Simplicidade de projeto e implementação
  • Queda de tensão bem reduzida;
  • Menores perdas de condução;
  • Correntes reversas desprezíveis;

Contras

  • Necessidade de um limitador Zener para alimentações superiores a 15V (maior consumo de potência);
  • Emprego em circuitos maior tensão é limitado pela disponibilidade de PMOS no mercado (limite próximo a 600V) - atende a maioria das aplicações;
  • O MOSFET é menor robusto a falhas do que os diodos;

Conclusão

Em função do que discutimos neste artigo, notamos que todos os circuitos permitem realizar a proteção de equipamentos contra inversão de polaridade, mas para circuitos eletrônicos alimentados com tensões baixas (24V, 15V, etc), onde as quedas de tensão e as perdas nos diodos se tornam importantes, o uso da solução baseada em PMOS é com certeza a mais adequada, pois nos permite fazer o bloqueio de tensões reversamente aplicadas ao equipamento, mas, ao mesmo tempo, em funcionamento normal, nos entrega baixas quedas de tensão e baixas perdas de condução.


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