Tempo Morto no Acionamento de Conversores de Potência: Importância e Cálculo

O acionamento de conversores de potência, como conversores CC/CC, inversores e retificadores, é fundamental para diversas aplicações na indústria moderna. Um conceito crucial nesse processo é o “tempo morto“, ou deadtime, que é o atraso intencional introduzido no comando PWM de transistores para evitar a condução simultânea em um mesmo braço, o que pode levar ao chamado “shoot-through”. Esse fenômeno pode resultar em um curto-circuito, danificando os componentes e destruindo o circuito.

Figura 1 – Representação de um Braço de Chaveamento usado.

O Problema do Shoot-Through

Em um braço de chaveamento típico, que é essencial para a operação de conversores de potência, o controle inadequado dos transistores pode levar à condução simultânea, resultando em danos sérios ao circuito. Isso ocorre porque o tempo de ligamento e desligamento dos transistores não é o mesmo, e uma falha em coordenar esses tempos pode causar uma corrente de pico excessiva, suficiente para destruir os transistores e outros componentes próximos.

Para ilustrar esse problema, foi feita uma simulação no LTSpice, onde os transistores foram acionados de forma complementar, mas sem deadtime (Figura 2). O resultado mostrou uma corrente de pico na ordem de 500 A, o que seria suficiente para danificar o circuito e destruir trilhas. Em contrapartida, ao introduzir um tempo morto de 68 ns (Figura 3), não ocorre o shoot-through. O acionamento ainda apresenta um pico de corrente na ordem de 40 , porém esse pico é oriundo da recuperação reversa do diodo do MOSFET inferior e é uma operação normal do circuito. Assim, constatamos a eficácia do deadtime em proteger o circuito.

Figura 2 – Simulação no LTSipice da operação de um braço sem Tempo Morto – Evidencia-se o efeito do shoot-through
Figura 3 – Simulação do Efeito do Deadtime no acionamento do Braço.

Calculando o Tempo Morto

Calcular o tempo morto ideal para um circuito é um desafio, pois ele deve ser suficiente para evitar o shoot-through, mas não pode ser excessivo a ponto de introduzir distorções na operação do conversor. A Infineon disponibiliza um Application Note onde recomenda uma equação para o cálculo do tempo morto mínimo, que considera o tempo de desligamento do transistor, o tempo de ligamento, e o tempo de propagação do comando no gate driver, além de uma margem de segurança de 20%.

No entanto, essa equação não leva em conta o tempo de queda do transistor, que é o período necessário para que ele entre em estado de bloqueio após o comando de desligamento. Portanto, a recomendação é ajustar a equação, somando o tempo de queda e mantendo a margem de segurança.

Aplicando o Tempo Morto em Diferentes Cenários

Para IGBTs, a aplicação da equação é relativamente simples. Isso pois os datasheets geralmente fornecem curvas que mostram como os tempos de delay variam com diferentes condições de operação, como ilustra a Figura 4.

Figura 4 – Curvas de Datasheet de IGBTs mostrando a variação dos tempos de delay e chaveamento em função de parâmetros operacionais.

Já para MOSFETs, os datasheets normalmente fornecem apenas valores de teste específicos em uma tabela (Figura 5), sem curvas detalhadas, o que torna a aplicação da equação um pouco mais complicada. Nesse caso, uma abordagem prática é aplicar um fator de correção baseado na resistência do gate utilizada em relação à resistência especificada pelo fabricante. Esse fator ajuda a ajustar o tempo morto de acordo com a resistência de gate real, garantindo uma operação segura:

Figura 5 – Tabela de Especificação Elétrica de um Power MOSFET com os tempos de comutação.

Impacto do Tempo Morto no Desempenho do Conversor

Apesar de essencial, o tempo morto pode introduzir distorções na forma de onda do conversor, especialmente se for excessivo. A Figura 6 mostra simulações do mesmo inversor com diferentes tempos mortos. Podemos observar que à medida que o tempo morto aumenta acontece a redução da tensão de saída e o aumento da distorção do sinal. A queda de tensão ocorre pois o deadtime “rouba” tempo do sinal PWM. Portanto, é crucial encontrar um equilíbrio, onde o tempo morto seja suficiente para proteger o circuito, mas não a ponto de comprometer a qualidade da forma de onda de saída.

Figura 6 – Efeito do Tempo Morto na forma de onda de saída de um inversor.

Implementação do Tempo Morto

Existem várias formas de implementar o tempo morto em um circuito. A forma digital, utilizando microcontroladores ou DSPs (como a família C2000 da Texas Instruments), é a mais precisa e permite um controle rigoroso dos tempos. Uma outra solução está em utilizar Gate drivers com geradores de deadtime integrados, como o IR2104, entre outros drivers do tipo Half-bridge. Esses Gate Drivers podem ter o deadtime interno fixo ou ajustável.

Para casos onde a implementação digital ou via Gate driver não é possível, podemos gerar o tempo morto utilizando circuitos eletrônicos analógicos. Um exemplo simples é o circuito RC da Figura 7, que utiliza a carga de um capacitor e os pontos de gatilho do Buffer Schmitt-Trigger, para criar o atraso necessário no comando.

Figura 7 – Gerador de Tempo Morto com circuito RC e Buffer Schmitt-trigger

Na equação, Vh representa o limite superior da histerese do Schmitt-Trigger e Vp, a tensão de nível lógico alto do comando de entrada. Cada canal PWM precisa de um desses circuitos para o acionamento do braço.

Esse circuito também permite o ajuste do tempo morto, substituindo o resistor por um trimpot. Porém, um cuidado importante está na seleção do capacitor, uma vez que normalmente os capacitores cerâmicos sofrerem muita influencia de temperatura. Para ter um gerador mais estável, o uso de capacitores do tipo C0G é mais indicado, já que essa classe é mais estável do que os capacitores X7R comumente encontrados.

Considerações Finais

O tempo morto é um elemento essencial no acionamento de conversores de potência, protegendo os circuitos contra danos e garantindo uma operação segura. No entanto, é importante calcular e implementar o tempo morto com precisão, evitando tanto o shoot-through quanto as distorções na forma de onda de saída. A escolha do método de implementação depende das especificações do circuito e das condições de operação, sendo a forma digital a mais recomendada pela sua precisão e flexibilidade.


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